terça-feira, 19 de maio de 2009

Lula aqui, na China: breves ponderações

Artigo publicado no Jornal da Ciência (JC e-mail 3764, de 19 de Maio de 2009)

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC -

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63538


“Infelizmente no Brasil, geralmente, as viagens dos chefes de Estado
ao exterior são abordadas pela grande mídia sob dois aspectos. Um
negativo, onde se apresentam tais viagens como simples ‘passeios’,
onerosos e desnecessários. E outro com foco apenas na relevância
comercial de tais missões”

José Medeiros da Silva é doutor em Ciência Política pela Universidade
de São Paulo e professor de Língua e cultura portuguesa na
Universidade de Estudos Internacionais de Xi’an – China. Artigo
enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

"Se um amigo vem de longe para nos visitar, não é uma satisfação?"
Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.)



Lula já está aqui na China. Essa visita, além do fortalecimento das relações bilaterais, tende a reforçar a percepção de que uma nova correlação de forças está emergindo no cenário político mundial. E se a China é uma peça-chave na balança de poder mundial que agora se configura, o Brasil é uma peça que não pode ser ignorada para edificação de uma ordem mundial mais humana e pacífica.

Esta é a sua segunda viagem oficial a este país. Na primeira, em maio de 2004, um dos destaques foi a presença de 460 empresários brasileiros que acompanharam a comitiva presidencial.

O gesto, pleno de simbolismo comercial, sinalizava a intenção de se atingir patamares mais elevados e diversificados no campo econômico. Quis a dinâmica econômica que depois de pouco mais de cinco anos, que a China se tornasse nos primeiros quatro meses desse ano o principal parceiro comercial do Brasil.

Dinâmica econômica à parte, o mais relevante é o aprofundamento contínuo da amizade entre os dois países desde que as relações diplomáticas foram estabelecidas em agosto de 1974. E para isso, ao longo desses 35 anos, o empenho das autoridades sino-brasileiras tem sido decisivo.

Nesse último governo, além de três visitas oficiais (O presidente chinês Hu Jintao visitou o Brasil em novembro de 2004), os dois presidentes já se encontraram diversas vezes como durante os Jogos Olímpicos de Pequim (2008) e na Cúpula do Grupo de 20 países realizada em Londres este ano no início de abril. Mas não se pode perder de vista de que se deve (e é possível) avançar muito mais.

E muitos dos avanços necessários transcendem a esfera do comércio e da diplomacia. Envolve a educação do povo e a preparação para que parcelas cada vez maiores percebam os benefícios dessa amizade e se envolvam para solidificá-la e desenvolvê-la. Pois nunca como agora, as relações entre as nações foram tão determinantes no cotidiano de tantos seres humanos.

Infelizmente no Brasil, geralmente, as viagens dos chefes de Estado ao exterior são abordadas pela grande mídia sob dois aspectos. Um negativo, onde se apresenta tais viagens como simples “passeios”, onerosos e desnecessários. E outro com foco apenas na relevância comercial de tais missões.

Na apresentação dos argumentos para se justificar os motivos dessas viagens, a dimensão política aparece quase escondidas nas entrelinhas. Essa prática é muito danosa para a educação política do nosso povo, pois o mantém distante de questões relevantes para a sua vida.

A crise econômica global que já arruinou a vida de milhões de famílias no mundo é um duro exemplo de a política externa não pode ficar entregue apenas nas mãos de governos, diplomatas e empresários.

Para os trabalhadores, individualmente e através de suas entidades representativas, o estudo e o debate sobre as questões políticas internacionais devem fazer parte de suas reflexões cotidianas. E as viagens dos nossos representantes ao exterior ou a recepção de outros chefes de Estado no nosso país são importantes momentos para estimularmos a construção de tais reflexões.

Construir nas instituições acadêmicas e no setor social organizado (sindicatos, partidos políticos etc) a percepção dessa necessidade é a tarefa mais imediata. A própria criatividade e inteligência dos nossos povos indicarão novos caminhos. Com muito prazer vejo que aqui na China algumas iniciativas seguem nessa direção.

A começar pelo ensino da língua em algumas universidades, não só nos centros mais tradicionais como Xangai e Pequim. Mais também mais para o interior, como aqui em Xi’an, uma antiga capital do império chinês, onde atualmente contamos com cerca de 60 estudantes de português (no próximo semestre teremos mais 30 alunos). Mas muito, muito mais poderemos e devemos fazer. Uma exigência do nosso tempo, que não pode ser descuidada. Nem, como já dissemos, permanecer restrita como uma tarefa de governos, empresários e diplomatas.